Coluna do Fonseca: A Arte das Capas (e dos Negócios)

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Respondam com sinceridade: se a diferença de preço não fosse problema, qual dessas duas edições do mesmo filme você compraria?

The Double Life of Veronique Criterion The Double Life of Veronique UK

“Gosto não se discute” e blá-blá-blá à parte, aposto que todo mundo escolheria a edição da esquerda. Nada nessa arte de capa existe por acaso. Ela é o trabalho de um profissional competente e que conhece a obra com a qual está trabalhando. A luz e paleta de cores utilizada é a mesma que vemos no filme. A duplicação das letras remetendo à natureza da obra. As “bolhas”, novamente dialogando com a obra. Uma grande imagem dominante, com o mínimo de informações necessárias: título do filme, nome do diretor, o símbolo e nome da empresa distribuidora (que nesse caso, agregam um valor) e o ano de produção da obra. Tudo composto de maneira simples, elegante e condizente com o filme.

Na edição da direita (que propositalmente não é um exemplo dos mais terríveis), temos uma imagem de qualidade ruim, que não condiz com a qualidade da cena em questão no filme. Uma citação de um crítico em letras grandes e chamativas, que remete aos tempos áureos das locadoras, onde esse tipo de coisa porderia influenciar uma locação. A menção a um prêmio, mais uma coisa que poderia se justificar numa edição para locação, mas que revela-se desnecessária quando pensamos em alguém que está adquirindo a edição para uso particular. A fonte utilizada para o título não tem qualquer inspiração ou ambição maior. Nesse exemplo específico, vou desconsiderar a inclusão da classificação etária na capa, já que é uma obrigatoriedade no Reino Unido e em diversos outros países, embora existam alternativas para isso, como adesivos de fácil remoção ou encartes de papelão avulsos.

A arte de capa da Criterion Collection (esquerda) é obviamente o trabalho de um profissional. Já a arte da edição britânica poderia ter sido feita por qualquer leitor aqui do BJC. Como perguntei inicialmente, se o preço não fosse problema, qualquer um com juízo escolheria a edição da esquerda. E no momento em que escrevo esse artigo, de fato não é. A edição da Criterion está custando 20,99 dólares, cerca de R$33. A edição inglesa está custando 12,37 libras, cerca de R$32. Nesse caso, ambas em Blu-ray.

Curiosamente, a edição em Blu-ray da Criterion é mais barata que a edição em DVD, que custa atualmente 28 dólares. Em Blu-ray, temos um estojo transparente, arte interna e livreto com informações sobre o filme. Uma edição “simples” nos padrões Criterion. Por 8 dólares a mais, a edição em DVD traz a seguinte apresentação:

Imagens retiradas do site Criterion Forum.

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E aponto tudo isso para quê? Bom, realmente não devemos julgar um livro pela capa. Mas duvido que ninguém aqui já não tenha comprado um por causa dela. No nosso caso, a máxima popular aplica-se aos DVDs e Blu-rays. A apresentação é um item fundamental para todo colecionador (seja lá o que ele colecione). Atualmente temos visto empresas outrora célebres pela qualidade e preocupação com os seus produtos numa descendente vertiginosa nesse sentido, como é o caso da Disney, que aqui no Brasil possui agravantes, como falta de luva em suas edições mais especiais ou mesmo no caso em que elas existem, sem a mesma qualidade das que vemos no exterior. E claro, se estivesse falando do conteúdo, daí a situação seria bem pior. Mas isso seria assunto suficiente para um outro artigo…

Durante essa semana meu amigo Jotacê repassou no Twitter um texto do Motim.org em que a autora foi feliz em dizer que aqui no Brasil buscam vencer a “guerra” contra a pirataria no campo dos preços, quando eles deveriam estar focando na qualidade dos produtos. E isso sempre me pareceu muito óbvio, algo que inclusive foi muitas vezes falado em diversos Jotacasts. Quando adquirimos um produto, esperamos algo a mais. Porque se o que se quer (nesse caso) é apenas assistir ao filme, a possibilidade de baixá-lo da internet ou adquirir uma cópia pirata é muito grande. Aliás, se quer apenas assistir ao filme, podemos conferí-lo enquanto está nos cinemas, ou ainda, quando chegar às locadoras. Quem compra um filme provavelmente pretende assisti-lo mais de uma vez. Quem compra um filme pretende exibi-lo. Quem compra um filme pretende mostrar a edição aos colegas, colecionadores ou não. Quem compra um filme não compra apenas o filme, compra também sua embalagem e tudo que ela engloba. (Obviamente, estou falando de quem compra um produto original.) E sendo tudo isso verdade, é lamentável que até hoje muitas empresas não tenham aprendido (e algumas desaprendido) que a apresentação é parte fundamental do produto que compramos. Para alguns, chega mesmo a ser o fator decisivo na hora da compra.

Num mundo de massificação, destaca-se quem surge com algo único, que valoriza o diferencial, que presa pela qualidade. Porque porcaria por porcaria, vence o preço mais baixo. E empresa nenhuma tem como competir com os preços dos produtos piratas. Mas quem investe na qualidade sempre terá consumidores. E isso não é falácia. Um tal de Steve Jobs pode comprovar.

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Blu-rays da Criterion recomendados pelo BJC (sem opções em português brasileiro):