Aproveitando uma discussão que começou lá no Twitter, resolvi expandir o assunto sobre a situação atual do mercado de filmes e séries em mídia física num artigo aqui no site. Tudo começa a partir de uma frase que virou senso comum:
“Ah, mas ninguém mais compra DVD e Blu-ray. Estão todos consumindo conteúdo por streaming, que matou a mídia física”
A gente aqui no BJC ouve isso faz muito tempo. E isso não é bem assim! Acompanhe o raciocínio, com fartura de links para vocês relembrarem tudo o que o já aconteceu, sem fake news!
A política de preços altos custou caro
O baixo desempenho das vendas de Blu-rays no Brasil não acontece apenas por causa da popularização do streaming. Claro que a distribuição digital tem parte nisso tudo (lembramos da coluna do Fonseca sobre isso), mas defendemos que o grande problema, na realidade, está nos estúdios. As grandes empresas de home vídeo são as principais responsáveis pela mídia estar na situação que está por aqui. Vamos explicar, começando pelo principal: o preço do Blu-ray praticamente permaneceu o mesmo durante DEZ ANOS, o que é um completo absurdo.
“Noventa Reais é o CARALHO! Eu quero filme com preço justo!”
- Matéria de 2009: Brasil tem o Blu-ray mais caro do mundo
- Matéria de 2014: Dossiê do BJC | Os altos preços dos Blu-rays no Brasil
Assim sendo, as pessoas se acostumaram a comprar filmes e séries APENAS em promoções, já que ninguém mais queria fazer papel de trouxa pagando 80/90 Reais num filme em estojo plástico. Os colecionadores contavam com as fortes lojas online para fazer suas compras, normalmente em combos 3×2 ou 5×3 (fora os surtos). Acontece que esse sistema veio abaixo com o fechamento de importantes sites (começou com a Videolar, lembram?), depois com a péssima estratégia de marketplace da B2W e, mais recentemente, com a crise da Livraria Cultura/Fnac e Saraiva. Lojas menores também fecharam, como a 2001.
Com isso, as produtoras brasileiras – que nunca entenderam que consumidor/colecionador não é locadora e precisa de qualidade no conteúdo e na forma – ficaram sem vitrine para vender seus produtos, na maioria absoluta medíocres e muito caros. Num ato de desespero, depois dos colecionadores insistirem MUITO, resolveram investir no SteelBook, para não perder essa fatia de mercado. A embalagem metálica foi o maior sucesso, claro. Ficou evidente que mesmo com preço alto, o brasileiro ainda paga por um produto premium e de bom acabamento. Só que daí já era tarde, com a procura por títulos caindo 30% ano sobre ano, os players de Blu-ray começaram a sumir.
A pegadinha do Blu-ray 3D
Além dos players caros e raros, todo um investimento pesadíssimo dos estúdios nos filmes em 3D não deu resultado. A tecnologia – propagada com grandes recursos em publicidade para convencimento dos consumidores – foi abandonada pelos fabricantes. Com isso, hoje não existem TVs no mercado que suportem os discos 3D que nos foram colocados goela abaixo. Tudo isso gerou um ambiente em que a mídia física acabou se tornando uma espécie de “luxo para bocós com dinheiro sobrando”, ao mesmo tempo que os departamentos de marketing dos estúdios insistiam que o Blu-ray era o SUBSTITUTO do DVD, coisa que nunca foi e jamais poderia ter sido colocado como estratégia de venda. Afinal, para se desfrutar da alta definição a pleno, todos deveriam comprar TVs full HD e receivers, o que nunca aconteceria no Brasil.
Em contraponto, observem que outras mídias físicas que não dependem da incapacidade e da incompetência da maioria dos estúdios no Brasil permanecem firmes e fortes, ou até voltaram com força total, como o mercado de LPs. Além disso, nunca podemos nos esquecer do exemplo dos livros/quadrinhos. Mesmo com os eBooks, os livros físicos estão mais fortes do que nunca. As editoras estão investindo em belíssimas apresentações, na qualidade do papel e da diagramação. Observe que é o caminho contrário dos estúdios que, fora o SteelBook, não investem em absolutamente nada na apresentação, nem em uma mera luva de papelão (ah! que saudade das luvas).
A gente reclamava quando um filme não tinha luva. Éramos felizes e não sabíamos!
O Efeito Tostines:
Não lançam pois ninguém compra
ou não compram pois ninguém lança?
Agora, a situação parece ainda mais terrível, principalmente por causa do número muito baixo de novos títulos no mercado. Vocês lembram que durante muitos anos o BJC publicou, mensalmente, uma lista enorme de futuros lançamentos em DVD e Blu-ray no Brasil. Os “listões” eram os posts mais esperados pela nossa comunidade, pois traziam com 30 dias de antecedência os títulos com datas e preços aproximados, de praticamente todas as empresas de home video brazucas. Só pra relembrar, em setembro de 2012 a lista foi gigante, com nada mais nada menos que DOZE Blu-rays sendo lançados só pela Disney.
A Visocopy, fonte dos listões desde sempre, parou de divulgar a sua tabela em outubro de 2017. Desde então, ficamos sem o arquivo editável para publicação aqui no site. Mesmo com a Revista da eWmix divulgando os futuros lançamentos, perdemos a agilidade e a facilidade que tínhamos com as informações da Visocopy.
Eis que, por curiosidade, resolvi dar uma olhada na lista da eWmix para agosto e setembro de 2019. Observem a situação dos títulos a serem lançados no Brasil. É deprimente:
Você pode conferir a revista online AQUI neste link.
Não é só o número reduzido de lançamentos em DVD e a quase inexistência de títulos em Blu-ray. O pior de tudo é ver, melancolicamente, os vazios estabelecidos pela ausência de grandes estúdios como FOX e Warner (leia mais sobre isso aqui). O diagramador da revista até poderia ter condensado tudo em duas páginas. Porém, talvez os banners publicitários da parte superior da revista forçaram a publicação das quatro páginas.
As produtoras argumentam que o Blu-ray 4K não tem espaço no Brasil pois nem as vendas dos Blu-rays tradicionais estão permitindo que isso aconteça. Observem que foram elas mesmas que criaram essa situação, simplesmente por causa de sua ganância e incompetência. A auto-sabotagem dos grandes estúdios e seus representantes no Brasil é muito flagrante. Já tivemos de tudo por aqui, de BD com qualidade de DVD até replicadoras que se negaram a lançar um título em Blu-ray por discordar de seu conteúdo, lembram? A coisa é tão bagunçada que o BJC liderou grandes boicotes contra três dessas empresas (Warner, FOX, Disney). Foi só a partir da mobilização dos consumidores que os estúdios conseguiram perceber as bobagens que estavam fazendo no mercado de filmes e séries.
O maior filme brasileiro de todos os tempos até hoje não saiu em Blu-ray por aqui.
E sim, ele está na Netflix.
- RELEMBRE NO BJC | Executivos que executam nossas coleções
Então DESCONFIE quando alguém de fora desse nosso meio disser que “o Blu-ray morreu por causa do streaming”. Ele está nessa situação no Brasil POR CAUSA DOS ESTÚDIOS, que até hoje não entendem como funciona o mercado de colecionáveis, nem nunca se preocuparam em ter nos seus quadros pessoas que fossem realmente colecionadoras. Eles só entendem de distribuição de filmes em cinema e olhe lá.
Nós do BJC acreditamos que ainda existe sim uma considerável fatia do mercado que preza pela mídia física. Os colecionadores nunca sucumbiram ao streaming, que basicamente absorveu o público das tradicionais locadoras. Independente do serviço de distribuição digital, um filme ou uma série NUNCA será nosso de verdade enquanto estiver na nuvem. Essas produções precisam estar fisicamente nas nossas coleções.