O fim do setor de mídia física das Lojas Americanas e a elitização do ato de colecionar

Como a promoção de CDs, DVDs e Blu-rays pode marcar o fim de uma era colecionística.

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O apagar das luzes dos DVDs nas Americanas já acontecia na Black Friday 2018

Depois de tantas promoções malucas, durante os últimos anos, e da constante ameaça do fechamento do setor de mídias físicas das Lojas Americanas, agora parece que vai acontecer mesmo. Desde o dia 8 de fevereiro, a maior rede de lojas de departamento do país está com uma promoção muito agressiva, oferecendo CDs a R$ 4,99, DVDs a R$ 7,99, Blu-rays a R$ 14,99 e qualquer box por R$19,99. E o mais importante: ao que tudo indica, não há data para o encerramento da promoção, ou seja, vai até quando terminar tudo mesmo. É bem provável que se você more em grandes centros, já não exista mais nada de interessante para comprar nessa promoção. Já nas lojas mais obscuras e de cidades do interior, ainda existe alguma chance. Os colegas Tailan Dutra e Celso Menezes comentaram na nossa live suas aquisições, que provavelmente serão as últimas. De qualquer forma, até o momento não existe informação oficial da empresa sobre o encerramento do setor de mídia física.

A LASA (Lojas Americanas S.A.) sempre foi um player muito importante do mercado, senão o mais importante. Com centenas de lojas pelo país, absorvia tiragens gigantescas. Extremamente popular, as Lojas Vermelhas tinham poder de barganha e sempre foram muito agressivas ao oferecer preços e ofertas únicas. Pelo volume de suas vendas, impunha negociações com as distribuidoras que determinavam um poder praticamente absolutista nesse mercado. Foi a partir dessa pujança toda que a LASA se tornou um dos principais motores do colecionismo no Brasil. Pessoas de todas as classes sociais frequentavam as suas lojas, pois, nos tempos mais áureos, a fartura e a variedade de títulos era garantida. De DVD de banca a SteelBooks, de boxes chumbregas a edições premium, as Americanas eram um ponto de parada obrigatório, tanto para o colecionador casual quanto para o hardcore. Inclusive, uma das minhas primeiras compras em loja física como colecionador foi nas Americanas, num combo leve 3 e pague 2 ou algo do gênero. A loja sempre foi uma porta de entrada muito importante para as pessoas que estavam dispostas a começar a colecionar seus filmes e séries preferidos, de certa forma estabelecendo uma equidade que, durante quase duas décadas, foi fundamental para a manter a comunidade colecionadora brazuca.

Canais como o Mundo da Jess produzem conteúdo a partir das compras nas Americanas

Claro que existe o debate sobre o papel das Americanas em ser muito agressiva em relação aos seus concorrentes, prejudicando lojas pequenas e acabando por nivelar tudo por baixo, não só nos preços impossíveis de serem praticados por outros estabelecimentos (afinal, o capitalismo é assim mesmo, principalmente no Brasil), mas também pela forma com que as unidades da LASA foram se degradando com o passar do tempo, jogando os CDs, DVDs e Blu-rays de qualquer jeito nas prateleiras. Também tem toda a discussão sobre os “preços padrão R$ 9,90” que durante muito tempo foram notícia aqui no BJC e que acabaram por estabelecer a cultura de nunca se comprar nada em pré-venda (afinal, pra quê, né?). Mas o que eu quero salientar é o seguinte: tudo isso faz parte desse caldo formador da base cultural da massa colecionadora no Brasil, e que aparentemente sumirá do mapa nas próximas semanas.

O Fragoso do canal Vício de Colecionar viajou quase 100 km para aproveitar o último suspiro do departamento de mídia física das Americanas.

A coisa já não estava muito boa pra nossa comunidade com a crise das livrarias e com a chegada da pandemia. As Lojas Americanas de tijolo eram a última opção para quem não compra online ou para quem simplesmente não tinha unidades das grandes redes de livrarias em sua cidade. Com esse provável fim do departamento da LASA, um novo cenário vai acabar sendo estabelecido, e é isso que torna esse encerramento de atividade comercial muito preocupante para todos nós colecionadores.

Provavelmente, sem as Americanas, a nossa comunidade (que já é pequena), vai encolher ainda mais. Muitas pessoas que ainda resistiam e mantinham o hábito de comprar seus disquinhos não terão mais essa oportunidade, e acabarão por abandonar suas coleções. Comprar online é confortável, mas não é tão prazeroso quanto a compra presencial. Os “garimpos” e as “caçadas” nas Americanas eram oportunidades divertidas de se descobrir coisas novas, de se ver ao vivo aquela edição que se tinha visto notícia na internet, ou somente em um vídeo de unboxing (sem falar naquelas desafiadoras buscas nas gavetas). Infelizmente com a extinção dessa prática tão saudável e bacana para muitos colecionadores, a coisa tende a piorar. Tiragens que eram de dezenas de milhares 5 anos atrás, eram absorvidas pelas Americanas. Hoje, por exemplo, mil Blu-rays são um teto que a maioria dos títulos lançados tem muita dificuldade de esgotar. Imaginem agora uma situação em que a nossa comunidade (que já é um nicho comercial minúsculo) seja ainda menor, com menos pessoas colecionando e consumindo essas tiragens. A indesejável elitização do nosso hobby poderá ser fatal para que continuemos sobrevivendo como colecionadores nos próximos anos.

Pensando no grande público, fora da nossa bolha de grupos da Facebook e WhatsApp, dificilmente as pessoas habituadas a comprar presencialmente vão começar a comprar pela internet. O mais natural é que elas desistam de colecionar ou diminuam consideravelmente suas aquisições. E isso é ruim para todo mundo, mesmo para aqueles que colecionam só comprando em sites ou aproveitando surtos online. Vamos torcer para que isso tenha o menor impacto possível para o mercado, pois se estamos aqui até hoje, é também por causa das pessoas que aproveitavam as Lojas Americanas para incrementar suas coleções.