PENSANDO O MERCADO | Conhecendo o modelo de negócios das distribuidoras

Explicando quatro possibilidades para mídia física

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REPULSION, da Brotherhood. Foto: Marliére Reid [@blu_reid]

Pensar o modelo de negócio é muito importante para uma distribuidora de mídia física. Dessa forma, continuando a série de matérias sobre o nosso mercado, publicamos neste artigo um compilado dos principais métodos utilizados. Mesmo sendo um assunto árido para o público colecionador, procuramos utilizar uma linguagem acessível e de fácil compreensão. Além disso, um arquivo PDF com os gráficos foi disponibilizado para quem quiser se aprofundar no assunto.

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Definindo os modelos

As distribuidoras de mídia física possuem diferentes modelos de comercialização e isso traz consequências diretas para o seu modelo de negócios. É importante entender como isso afeta o mercado e quais opções estão disponíveis de maneira a melhor estabelecer um planejamento financeiro e operacional e com isso lançar os produtos que o mercado deseja.

Trazemos aqui quatro modelos de negócio que representam a maior parte das opções implementadas pelas distribuidoras estabelecidas no Brasil:

    • Modelo 1: Distribuição Padrão
    • Modelo 2: Venda Direta
    • Modelo 3: Venda de Exclusivos
    • Modelo 4: Crowdfunding

Não existe um modelo melhor que o outro e sim aquele que melhor se adequa às condições da empresa. Sendo assim não temos o objetivo de indicar que caminho a distribuidora deve seguir e tão somente mostrar como esses modelos se comportam dentro do nosso mercado.

Como estruturamos o estudo?

Um aspecto relevante para esta apresentação é que possamos comparar os modelos e seu comportamento em relação aos aspectos financeiros da operação. Sendo assim foram criadas, para cada modelo, três projeções diferentes: uma pessimista, uma realista e uma otimista.

A diferença se dá diretamente na quantidade de edições vendidas em uma tiragem específica. Uma venda com apenas a quantidade mínima que justifique o lançamento da edição foi considerada pessimista; quando a venda atinge um valor considerado bom para o mercado no período analisado foi considerada realista, e uma venda que atinja toda a tiragem neste período ou que exija um complemento da tiragem foi considerada otimista.

O mercado hoje trabalha com tiragens que iniciam em 500 peças, mas na sua maioria atingem 1.000 unidades. Em poucos casos temos tiragens acima de 1.500 ou 2.000 peças. 

As projeções foram feitas considerando um período de apenas 12 semanas para simplificar a análise e logicamente isso não tem qualquer base para um planejamento real já que teríamos que avaliar no mínimo um ano ou até múltiplos anos para estabelecer um planejamento financeiro que faça sentido para a empresa. Aqui não temos esta necessidade porque buscamos apenas comparar os modelos e não prover qualquer tipo de recomendação para um planejamento financeiro das distribuidoras.

Para efeito de análise também foram associadas edições típicas para cada modelo:

  • Modelo 1 (Distribuição Padrão): Edição Blu-ray simples
  • Modelo 2 (Venda Direta): Edição Limitada com 1 Blu-ray e 1 DVD
  • Modelo 3 (Exclusivos): Edição Blu-ray com Luva e Cards
  • Modelo 4 (Crowdfunding): Edição Limitada com 1 Blu-ray e 1 DVD

Por último é importante ressalvar alguns aspectos em relação às informações aqui apresentadas:

  1. Todas as projeções apresentadas são apenas referenciais e não estão correlacionadas a qualquer empresa do mercado. São utilizados apenas como base para análise dos modelos em questão.
  2. Os valores de custo de produção de mídia física são apenas exemplos extrapolados de informações obtidas na internet e não estão associados a orçamentos reais de produtos.

Base de Custeio de Produto para a Análise

Como utilizamos três produtos diferentes, foram feitas três projeções de custeio para as edições conforme indicado nas tabelas abaixo. A primeira é para um Blu-ray simples, a segunda para uma Edição Limitada com um Blu-ray e um DVD e a terceira é uma edição de Blu-ray com luva e cards. Todos os valores em Dólar foram convertidos com um câmbio de R$4,80.

 

Explicação dos gráficos

As projeções utilizadas foram convertidas em gráficos para facilitar a análise e permitir uma visualização direta das condições de operação de cada modelo. Segue abaixo a descrição da composição dos gráficos de maneira a facilitar seu entendimento. 

Modelo 1: Distribuição Padrão

Neste modelo a distribuidora faz a produção da edição e vende para lojistas ou revendedores que farão a colocação do produto no mercado para aquisição pelos clientes através de seus canais de vendas. A distribuidora não vende diretamente para o cliente final, mas também não faz qualquer restrição em termos de revenda além daquelas relacionadas à capacidade de crédito do lojista.

Este foi o primeiro modelo implantado no mercado no início da comercialização da mídia física no país. As distribuidoras era as próprias empresas detentoras dos direitos de comercialização tais como Warner, Columbia/Sony, Fox, etc. e suas principais revendas eram empresas como Americanas, Livraria Cultura, FNAC, Livraria Saraiva e outras que possuíam áreas dedicadas à mídia física.

No cenário em que estamos atualmente onde o mercado da mídia física se transformou num nicho e as vendas ocorrem praticamente só através de lojas online, poucas empresas mantém este modelo de distribuição entre as quais a Cinecolor e a Solutions 2 Go. 

O fato de serem empresas de grande porte e que detém acordos com várias empresas internacionais também as conduzem para este modelo e além disso replicam aquilo que já é praticado nos mercados mais consolidados como o americano e o europeu.

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O fato de Cinecolor e S2Go serem empresas multinacionais e que lidam com pequenos lojistas acaba estabelecendo um contexto em que o risco é sempre transferido para a parte mais fraca. Nesta condição somente são lançados títulos que tenham uma demanda que atenda o mínimo exigido pela distribuidora e o faturamento acaba tendo pouca flexibilidade para o pagamento.

Com isso a operação acaba tendo um risco entre médio e baixo com um descasamento entre despesas e receitas limitado. Numa visão de três meses já se percebe, num cenário realista, que se consegue atingir no mínimo a metade da tiragem. 

É, portanto, de se esperar que a maior parte dos títulos seja lucrativa embora os valores absolutos dos resultados da comercialização sejam pequenos o que torna a operação pouco atrativa para o licenciador. Na medida em que existe pouco espaço para investimento em marketing a responsabilidade pela exposição do produto acaba recaindo sobre o pequeno lojista que da mesma forma tem pouca capacidade de desenvolver uma publicidade estruturada. Este círculo vicioso infelizmente não ajuda no crescimento do mercado e sem mais demanda o produto se torna cada vez mais limitado e direcionado a consumidores de nicho.

O aumento na atratividade do modelo passa por crescimento do mercado e ampliação de tiragens. No entanto este é um cenário que não parece estar sendo construído de forma ativa pelas distribuidoras.

Modelo 2: Venda Direta

No modelo de venda direta a distribuidora é a única responsável pelo produto e a comercialização é feita através de seu próprio canal online de vendas. Em síntese ela licencia, desenvolve a edição, faz a promoção, comercializa e provê o suporte e atendimento ao cliente.

Este tipo de modelo é utilizado pelas distribuidoras independentes como a Versátil ou a Obras Primas, mas também possui variações de aplicação como no caso recente da Brotherhood que iniciou seu projeto como venda direta, mas usando a infraestrutura de um terceiro, a 1Films.

Apesar do total controle sobre o produto e o acesso direto ao cliente, a distribuidora acaba assumindo integralmente os riscos do lançamento, já que não possui canais a quem possa repassar a comercialização. Neste sentido os gastos iniciais com licenciamento e produção da edição podem levar a um grande prejuízo caso a edição não seja bem recebida no mercado.

Por outro lado, por negociarem diretamente os direitos sobre a edição, as distribuidoras possuem um bom nível de atratividade na medida em que se comprometem a fazer o pagamento antecipado para o licenciador. Ao mesmo tempo podem escolher com maior precisão qual mercado e que tipo de edição desejam lançar, criando edições com conteúdo e forma que melhor atendam ao consumidor interessado naquele tipo de produto.

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Avaliando as projeções vemos que este é um modelo de alto risco já que toda a responsabilidade da operação recai sobre a distribuidora e a maior parte dos custos de produção são desembolsados bem antes de que as vendas sejam consolidadas e o fluxo de recebimento se torne significativo.

O descasamento entre despesas e receitas é substancial e isso é ainda mais agravado quando as vendas são feitas em 6 ou 12 parcelas. Desta forma, mesmo no cenário mais otimista, o equilíbrio do caixa só virá ao final de 6 ou 8 meses de vendas significativas e desta forma dificultando novos investimentos. 

É possível fazer antecipações de receitas, mas estas operações junto a agentes financeiros são sempre muito caras o que dificulta a sua implementação.

A transição para um modelo de distribuição padrão seria desejável, mas a atuação de nicho ou com mercados específicos podem dificultar este processo. 

Sendo o modelo de maior risco operacional e financeiro, a sua viabilidade exige a conquista de um público consumidor cativo e que mantenha aquisições constantes de novos produtos. Sendo assim é importante fazer um investimento estruturado em marketing para atingir o público de forma mais abrangente e em última instância conquistar este consumidor fiel.

Modelo 3: Venda de Exclusivos

O modelo de venda de exclusivos é uma variação da distribuição padrão onde a seleção das edições se dá pelo lojista que busca licenciar na distribuidora um produto que permita a aplicação de algum diferencial, seja em conteúdo ou forma de apresentação. 

Os exclusivos surgiram no mercado brasileiro em 2019, ampliando-se de maneira mais substancial em 2020 e 2021 quando foram lançadas dezenas de edições exclusivas. Mais recentemente, grupos de lojistas estabeleceram parcerias para licenciamento destas edições em bloco permitindo atingir volumes maiores e com um menor risco para cada lojista que nesta condição acaba assumindo uma parcela menor de edições para comercialização.

Para a distribuidora o processo se mantém muito semelhante ao padrão já praticado, mas com a vantagem de oferecer um produto mais atraente para o colecionador além de ampliar as opções de SKU no mercado.

Como a responsabilidade pelo volume adquirido e pela comercialização recai sobre o grupo de lojistas o risco para a distribuidora também é baixo. E para o lojista a divisão do volume com o bloco também permite diminuir o risco da operação com um menor comprometimento financeiro.

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Os desafios deste modelo estão no fato de que os lojistas são na sua maioria pequenas empresas e com grandes limitações de investimento. O marketing é restrito e, portanto, a capacidade de apresentação do produto acaba sendo o maior problema para a comercialização.

As pequenas tiragens também geram uma baixa atratividade para o licenciador o que representa a maior dificuldade para se obter um determinado título.

Ainda assim é um modelo com baixo risco operacional para a distribuidora, com um descasamento entre despesas e receitas pequeno e que mesmo no cenário realista já permite obter um lucro no curto prazo. 

A oferta de exclusivos vem crescendo o que indica que tanto a distribuidora quanto os lojistas estão apostando neste modelo. Em alguns lançamentos recentes as edições exclusivas foram esgotadas ainda durante a pré-venda e, sendo assim, é de se esperar um crescimento da oferta destes títulos para este ano.

Modelo 4: Crowdfunding (ou financiamento coletivo)

O crowdfunding é uma ferramenta muito utilizada em todo o mundo e até no Brasil para o desenvolvimento de projetos de toda natureza, em especial na área editorial que lança uma grande quantidade de edições de quadrinhos através deste processo.

Até o momento não tivemos nenhum lançamento de mídia física no Brasil através das plataformas de financiamento coletivo, mas já vemos algumas indicações de que determinadas distribuidoras estão pesquisando este modelo para lançamento de novos títulos. 

O financiamento coletivo é um modelo de implantação de projetos em que as pessoas “financiam” o projeto que será desenvolvido somente após a captação por um período pré-estabelecido. No caso da mídia física existem custos que terão que ser desembolsados antes da campanha de crowdfunding como por exemplo o licenciamento dos direitos da edição. Ao mesmo tempo o fato de poder fazer uma captação antecipada de pelo menos parte dos custos do projeto diminui o risco do lançamento reduzindo o descasamento entre despesas e receitas.

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Avaliando as projeções vemos que o descasamento entre despesas e receitas é bem menor que nos modelos de venda direta, além de manter o total controle do produto e da base de clientes. As taxas cobradas pela plataforma são razoáveis (13% no caso da Catarse) e a regra fiscal de reconhecimento da receita pode trazer alguns ganhos em relação ao processo direto, embora exijam uma análise para o caso específico de cada empresa.

A grande vantagem do modelo é a possibilidade de obter uma captação de fundos que são repassados rapidamente (10 dias úteis após a companha no caso da Catarse) permitindo o desenvolvimento da edição com um nível de investimento próprio bem mais baixo do que do modelo de venda direta. Também é possível oferecer produtos de diferentes níveis (vários SKUs) além de permitir a oferta de complementos, acessórios ou novos conteúdos caso sejam atingidas algumas metas (stretching goals).

A maior dificuldade da plataforma está na promoção do projeto. É preciso anunciar o projeto para o público que possa se interessar e isso demanda investimento. O marketing “boca a boca” é sempre muito importante para projetos desta natureza, mas não é suficiente para consolidar um lançamento. O trabalho de promoção é essencial para que as metas sejam atingidas e o projeto seja viabilizado.

https://www.youtube.com/watch?v=hF4WS0tqKjw

Nossa live debatendo o modelo de financiamento coletivo

Conclusão

Em mercados com grande demanda qualquer um destes modelos trará resultados muito satisfatórios para as distribuidoras. 

Por outro lado, na situação que temos atualmente no Brasil, existem desafios para todos os modelos de negócio e a utilização de um ou outro depende essencialmente das características da empresa, da sua capacidade financeira e dos diferenciais de produto que possam fornecer. É importante ressaltar que estes modelos são tão dinâmicos quanto o mercado e, portanto, é comum termos evoluções nas operações das empresas que acabam gerando modelos híbridos em que combinam múltiplas formas de negociação. 

Também vemos empresas migrando de um modelo para outro ao longo de sua operação por entenderem ser necessário adaptar a sua comercialização. Isto foi observado recentemente na Brotherhood que lançou seu primeiro título num modelo de venda direta e ao longo do processo acabou migrando para uma distribuição mais próxima do padrão com mais de uma revenda comercializando o produto.

O mercado brasileiro é sempre de grandes desafios, mas crescerão apenas as empresas que apostarem na inovação, experimentando múltiplos modelos de negócios e utilizando aquele que lhe atenda para um produto específico ou um contexto determinado. 

Nesta condição a falta das revendas de grande porte é um grande problema para as distribuidoras. A Amazon é, portanto, a única empresa que poderia fazer uma diferença neste mercado. Sua negociação sempre agressiva é o maior desafio, mas observando as editoras que se apoiam diretamente na Amazon é razoável imaginar que existem opções para trazer a Amazon de volta a mídia física. 

Para nós colecionadores o que importa é que tenhamos cada vez mais lançamentos de mídia física realizados por empresas saudáveis e que consigam manter um crescimento sustentável.

Íntegra da live que fizemos sobre o assunto deste post

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