Post do leitor – Eu testemunhei…

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NOTA DO JOTACÊ

Publicamos neste post relato do nosso “fotógrafo oficial” Renato Rodrigues. Renato é colecionador e fotógrafo profissional (quem foi ao #eventoindy ano passado conheceu ele pessoalmente), e registrou em belíssimas fotos o protesto que aconteceu em São Paulo nesta segunda-feira (17). Além disso, elaborou um texto emocionante que, se não tem nada a ver com coleção, pelo menos mostra o sentimento de quem esteve lá e presenciou tudo o que aconteceu.

Por falar em protestos e coleção, lembramos sempre que o BJC, desde o seu início, tem como ideal a defesa dos interesses dos colecionadores brasileiros. Para quem é novato e não sabe, apoiamos dois movimentos importantíssimos: o boicote contra a Warner em 2009 (#naocomprewarnerbr) e o manifesto contra a Fox (#merespeitefox). Além disso, publicamos sistematicamente matérias contra a incompetência das empresas de home video no Brasil. Temos até uma categoria exclusiva para isso: PROTESTOS.

Então fiquem com o texto do Renato e com as suas fotos SENSACIONAIS! 😀 

 

O GÁS LACRIMOGÊNEO NOS ABRIU OS OLHOS

Eu testemunhei…

Acho que esta é o único epitáfio para um fotógrafo. O único que vale a pena ser dito.

Eu testemunhei…

No dia 17 de junho de 2013, eu me juntei ao coro dos que testemunharam algo incrível, algo que mudará o jeito como vamos nos referir a uma geração e seus símbolos. Mudará como veremos suas ferramentas de expressão. Mudará o jeito como serão lembrados. As marcas nas paredes. As máscaras. A coragem. A revolução.

Se na década de 80, enquanto eu lia V de Vingança; a história em quadrinhos de um anti-herói anárquico contra uma Inglaterra fictícia inspirada em 1984, alguém me dissesse que duas décadas depois eu veria jovens usando a mesma máscara do personagem principal para lutar nas ruas, eu riria e ficaria em casa sonhando com essa realidade. Hoje, contudo, não consigo dar dois passos entre estas centenas de milhares de pessoas nas ruas sem esbarrar com o rosto branco de Guy Falkes. E a maioria certamente nunca leu a história de Alan Moore. E ainda assim são tão fieis…

Eu caminho com eles, sou testemunha. Leio seus cartazes e clico como louco. Para qualquer lugar que eu mire a câmera existe algo para registrar. Passamos na frente de um prédio espelhado que, através de um truque de espelhos, reflete a população que marcha. Reflexo de um povo que passou a refletir. E os jovens aplaudem a si próprios e merecem os aplausos.

As fotos não registram as vozes. E são tão lindas! Cantam palavras de ordem e esperança. Cantam palavras de dias que virão. Cantam músicas antigas feitas para momentos como estes. E em algum lugar os Lennons, os Seixas, os Morrisons, os Russos estão sorrindo. E cantando a uma só voz.

A caminhada é laica e apolítica.

A caminhada é árdua. Muito menos que spray de pimenta. Menos que cadeiras. Que telas de computador. Que apatia. Arde apenas os pés e nos faz sorrir.

Quer saber quantos estavam na caminhada? Esqueça. Esconderão de nós. Quer mesmo saber? O bastante por uma noite.

Subimos uma das maiores avenidas da cidade. Quando estou no meio, olho para frente e a multidão não tem fim. Olho para trás e também não consigo ver onde acaba aquele mar de gente. Só mais um momento perfeito para fotografar. Não é cansaço que meus pés estão sentindo agora. É a precipitação do futuro.

Ao chegar na mais famosa avenida de São Paulo. Um jovem passa por mim segurando um sinalizador. A chama arde e ele grita sua vitória que é nossa. E em algum lugar alguém começa a cantar o hino da nação. E em algum lugar alguém deixou as luzes da antena de transmissão em verde e amarelo. E em algum lugar alguém ri. Alguém chora. Alguém vibra. Alguém vem até a mim e me abraça. E outros me dão a mão. E o hino está quase acabando e eu sou tão testemunha quanto protagonista e isso me enche de orgulho.

Caminho pela avenida fazendo jus à minha convicção: Cada um com suas armas e a minha derruba reis e descobre rainhas. Disparo fotos como se fossem balas. Mire sua câmera para o lugar certo e você muda tudo.

“Tiro a tiro” abro caminho entre os heróis de hoje. Eles sabem que algo mudou. Mudou para sempre e se isso será bom ou ruim, eles descobrirão. Eles, os atuais donos do mundo.

Vou ao fim da minha própria marcha registrando o que posso, quando posso. Um garoto ajoelhado em frente à polícia. Um repórter de uma grande emissora que tira seu terno e se une aos manifestantes. Uma garota cujas lágrimas mancham a tinta verde e amarela. Os punks do ABC que dividem um cigarro com uma garota rica da Bela Vista. O motorista parado há horas que compreende. O aposentado que veio também. Todos comigo para sempre.

Até que vou embora deixando os sons da revolução para trás. E em cinco quarteirões, um casal de rapazes desce de um ônibus em minha direção. É tarde e todos deveriam estar indo para suas casas, mas não hoje. Me perguntam onde está acontecendo a manifestação. Eu aponto para trás. Querem saber onde exatamente.

“Qualquer lugar”- eu digo – “Nós tomamos a Avenida Paulista”.

E os seus olhos brilham emocionados e eles saem correndo. Não em busca de uma avenida, de uma manifestação ou de uma revolução. Eles buscam o futuro. E fizeram por merecer.

E eu percebo que não é o gás. Mas minha cidade que é lacrimogênea.

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